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MANIFESTO DA V FEIRA LITERÁRIA DAS ÁGUAS VIRTUOSAS
a poesia liquefeita da vida


Nesse momento delicado para a natureza e a humanidade, em que a vida se esvai depressa, é decisivo repensarmos o que significam cultura e arte. E protestar contra a cisão, sempre artificial, entre vida, cultura e arte, que marca a nossa herança eurocêntrica. 

Arre! 

Se o problema cultural maior do nosso tempo é a desinformação, na base desse fenômeno há o esboroamento entre palavras e coisas, entre nossas ideias e nossos signos. Uma confusão que se desdobra até o absurdo, até o choque entre a noção de civilização vigente e a emergência por cosmovisões da vida capazes de salvar a natureza e, com ela, a humanidade. 

Julgamos civilizado o sujeito culto e bem informado, capaz de manejar sistemas, distinguir formas, interpretar signos e compreender representações. Mas o homem civilizado é também uma aberração, um monstro condenado a viver a extrair pensamentos a partir de seus próprios atos. Se nos falta magia constante, é porque nos habituamos a contemplar os nossos atos e signos, atrás de considerações sobre as suas formas ideais. 

“Quando tudo nos leva a dormir, olhando com olhos atentos e conscientes, é difícil acordar e olhar como que para um sonho, com olhos que não sabem mais para que servem e cujo olhar está voltado para dentro”, anotou Artaud, em O Teatro e Seu Duplo. O contundente livro, de 1938, reclama uma arte pujante, o “teatro da crueldade”, em que a representação poderia nos devolver à força mítica da vida.

A cultura e a arte vivas são cruéis, captam, dirigem e derivam forças. Elas não propõem ao sujeito um lugar de espectador, algo típico da cultura de massas. Mas sim um proveito de ator, de ser capaz de se impregnar da energia fulminante que emana de tudo à nossa volta. Os seres e as coisas têm sombras e elas se mexem, nos co-movem pela exaltação de suas forças espontâneas, isto é, selvagens. 

Toda cultura, em seu estado primitivo, é mágica.  

 

Reencontrar a magia é possível. Desde que rompamos com a superfície fria das formas e nos reconciliemos com os manás ancestrais e subterrâneos que regem a vida. Sob a pele das formas, simbólicas ou naturais, emana a poesia em estado puro, que não se detém e não se repete. Em contato com ela, nos tornamos senhores daquilo que ainda não é, para fazê-lo nascer.

Um outro nome disso é escrevivência, termo cunhado pela escritora Conceição Evaristo, para se referir à literatura que não conta histórias de ninar injustiças. Ou Nhé ´ẽ, noção central da cultura e do idioma Guarani, que significa ao mesmo tempo a respiração que anima a vida, a inspiração que vem da natureza e a força encantatória do verbo. 

No regaço de um Brasil assolado pela peste, pela fome e pela degradação da natureza, a V FLAVIR ousa exaltar a poesia da vida. E quando dizemos poesia, não nos referimos ao beletrismo estéril, mas a essa espécie de núcleo frágil e turbulento, ancestral e mágico, que somos nós.  

Por Lelo de Brito, sob o signo fulgurante de Antonin Artaud.

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